sábado, 18 de setembro de 2010

Regresso Eterno

                                                                                        Para Manuel da Fonseca


Altos silêncios da noite e os olhos perdidos,                             
Submersos na escuridão das árvores
Como na alma o rumor de um regato,
Insistente e melódico,
Serpeando entre pedras o fulgor de uma ideia,
Quase emoção;
E folhas que caem e distraem
O sentido interior
Na natureza calma e definida
Pela vivência de um corpo em cuja essência
A terra inteira vibra
E a noite de estrelas premedita.

A noite! Se fosse a noite...
Mas os meus passos soam e não param,
Mesmo parados pelo pensamento,
Pelo terror que não acaba e perverte os sentidos
À esquina do acaso;
Outros mundos se somem,
Outros no ar luzem reflectidos sem origem.
É por eles que os meus passos não param.
E é por eles que o mistério se incendeia.

Tudo é tangível, luminoso e vago
Na orla que se afasta e a ilha dobra
Em baías de precário sonho...
Tudo é possível porque a vida dura
E a noite se desfaz
Em altos silêncios puros.
Mas nada impede o renascer da imagem,
A infância perdida, reavida,
Nuns olhos vagabundos debruçados,
Junto a um regato que sem cessar murmura.

O Livro: «O Livro do Nómada Meu Amigo» (Guimarães Editores, 1981)
O Autor: Ruy Cinatti. Poeta, agrónomo e antrópólogo, nasceu em Londres, em 1915, e morreu em Lisboa, em 1986. A sua estadia em Timor, entre 1951 e 1956, como chefe dos Serviços de Agricultura do governo, marcou-o profundamente. Em alguns dos seus livros, Ruy Cinatti expressou o seu sincero amor por aquele território e pelo seu povo.

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